Sob o cânone clássico, ubi societas, ibi jus, não há como apartar o Direito da sociedade; por consequência, não há como apartá-lo da realidade tecnológica e todos os seus avanços. Servindo ao propósito primordial de facilitar a vida contemporânea, não há como negar que a tecnologia põe em xeque padrões normativos preestabelecidos e testa os limites do conhecimento jurídico, exigindo cada vez mais do intérprete e dos operadores do Direito. Imprescindível, pois, que a tecnologia seja objeto de intensa, constante e urgente reflexão.
A velocidade dos avanços tecnológicos é tão surpreendente quanto os avanços em si. Tudo se torna obsoleto de um momento para o outro, sucedido por novas e constantes atualizações, que trazem facilidades mais rápidas, mais eficientes, menos problemáticas. E assim sucessivamente.
Como deve o jurista se comportar diante de tais novas realidades e tecnologias? Como transitar entre paradigmas numa época em que a urgência não é exceção, mas regra? Existem limites para a dependência da tecnologia? Quais as tecnologias em voga e como se dá a sua aplicação no mundo jurídico? Como outras ordens jurídicas estão a se comportar quanto ao tema? São apenas algumas das inúmeras dúvidas que surgem, todas a merecer reflexão e estudo.
É justamente nesse quadro que ganha relevo a inteligência artificial, cada vez mais presente nas mais variadas situações do cotidiano e em escala mundial, inegável que é a globalização. Sob tal perspectiva, o encontro entre inteligência artificial e Direito, para além de inevitável, é, mesmo, de primeira ordem.
Atentas a esse contexto, a Escola de Magistrados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e a Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul – AJUFESP, promoveram, no dia 22 de novembro de 2019, o evento denominado “O avanço da inteligência artificial e a Justiça: reconhecimento facial (utilização e implicações) Brasil e EUA”, coordenado por mim e pelo Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Flávio Luiz Yarshell.
O objetivo do evento foi, nas duas primeiras exposições, efetuar uma aproximação com o tema da inteligência artificial na prática, ou seja, nas formas que vem sendo utilizada na realidade brasileira e, também, recebendo um testemunho acerca do que se vem observando nos Estados Unidos da América. Após, a tônica foi o aprofundamento no âmbito jurídico em dois campos de extrema sensibilidade para o operador do Direito: o processo penal e a teoria geral da prova.
A massiva qualificação dos ministrantes e de suas exposições, aliadas à relevância do tema, fazem um convite quase irrecusável a todos que desejem conhecer um pouco mais da inteligência artificial, sobretudo no que toca às intersecções entre tecnologia e Direito.
Alessandro Diaferia
Juiz Federal
Coordenador do evento
O Avanço da Inteligência Artificial e a Justiça 22/11/2019 - parte 1
Na primeira parte do evento, temos duas exposições, a seguir referidas:
Reconhecimento facial na realidade brasileira. Instrumentos e tecnologias
Sob a presidência de mesa do Desembargador Federal Paulo Sérgio Domingues, a primeira exposição é trazida por Eduardo Fernandes Gonçalves, Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que, à época do evento, atuava junto ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Com grande experiência no tema da segurança pública, tanto na sua formação quanto no exercício de suas funções, o expositor traz um panorama bastante amplo acerca das formas de utilização prática da inteligência artificial no Brasil, bem como questões que surgem em decorrência dessa técnica.
Atualidades do reconhecimento facial na experiência dos Estados Unidos da América
Com mesa de trabalho presidida pelo coordenador do evento, Professor Flávio Luiz Yarshell, o advogado norteamericano Alan Berkeley, militante no Distrito Federal dos Estados Unidos da América há diversas décadas, conta como a utilização da inteligência artificial impactou a realidade jurídica em seu país, chamando atenção para a necessidade de cautela com direitos individuais, algo bastante caro à ordem constitucional lá vigente. Proferida em idioma inglês, a fala do advogado Alan Berkeley contou com versão simultânea para o português para os presentes ao evento.
O Avanço da Inteligência Artificial e a Justiça 22/11/2019 - parte 2
Na segunda parte do evento, agora aprofundando a matéria jurídica propriamente dita, seguimos com as exposições a seguir referidas.
Reconhecimento facial e suas repercussões no processo penal
Sob presidência de mesa do Juiz Federal Alessandro Diaferia, a exposição do Professor Gustavo Henrique righi ivahy Badaró toca em temas sensíveis atinentes ao processo penal, com a densidade e consistência que lhe são características, como doutrinador e professor consagrado.
Inteligência artificial a teoria geral da prova
Presidida pelo Desembargador Federal Mairan Maia, a mesa de encerramento contou com a exposição do coordenador do evento, Professor Flávio Luiz Yarshell, que dispensa apresentações, dado seu notório reconhecimento na doutrina nacional e estrangeira, e que situou a inteligência artificial no contexto da teoria geral da prova, agregando pontos extremamente relevantes para o estudo do tema.