25/09/2020
Tipificado há apenas dois anos, o crime de importunação sexual foi amplamente debatido durante jornada promovida pela Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3.a Região (EMAG), pela Comissão de Equidade de Gênero do Tribunal Regional Federal da 3.a Região e pela Organização Não-Governamental Think Olga, com o apoio da Comissão AJUFE Mulheres.
Além das perspectivas conceitual, legal e jurídica, as quatro palestras abordaram os aspectos cultural, social, histórico e de equidade, a serem enfrentados a fim de dar efetividade à norma.
O ciclo de palestras “Importunação Sexual é Crime” foi realizado entre 21 e 24 de setembro, com transmissão ao vivo pela plataforma Microsoft Teams e pelo canal da EMAG no YouTube, onde as gravações permanecem disponíveis.
A jornada foi organizada pela Diretora da EMAG e Coordenadora da Comissão de Equidade de Gênero do TRF3, Desembargadora Federal Therezinha Cazerta. A coordenação do evento foi compartilhada entre Therezinha Cazerta, a Desembargadora Federal Inês Virgínia, a Juíza Federal Raecler Baldresca e a gerente de Inovação na ONG feminista Think Olga, Amanda Kamanchek.
Na abertura, houve o lançamento da plataforma LIS, sigla da Lei da Importunação Sexual (nº 13.718/18). A página é fruto de trabalho colaborativo entre a Think Olga e o TRF3, realizado por meio do laboratório de Inovação da Justiça Federal (iJuslab), e está hospedada no portal do TRF3, no endereço www.trf3.jus.br/lis.
Ao abrir o ciclo de palestras, a Diretora da EMAG relacionou a violência sexual à objetificação da mulher e ao não-reconhecimento do espaço feminino fora do ambiente doméstico.
“Quando a mulher passou a sair para o mundo externo, a dividir com o homem esse espaço, passou a sofrer uma série de importunações e de restrições, porque não se reconhecia, efetivamente, aquele lugar como um lugar da mulher; porque não se reconhecia a mulher como um ser igual ao homem, com seus direitos e seu lugar na sociedade. Muito se lutou para mudar esse panorama e muito ainda se tem ainda que lutar para que cheguemos a uma situação em que as mulheres sejam respeitadas. Essa é uma luta do dia a dia que não pode ser esquecida em nenhum momento.”
Tanto a Desembargadora Federal Therezinha Cazerta quanto o Presidente do TRF3, Desembargador Federal Mairan Maia, também presente, lembraram o legado deixado pela Juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos Ruth Ginsburg, ícone da defesa dos direitos humanos e da luta pela igualdade de gênero e que faleceu no dia 18 de setembro último.
Comissária da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos, a jurista brasileira Flávia Piovesan fez a conferência inaugural sobre “Proteção dos Direitos Humanos das Mulheres no Sistema Interamericano”. Ela lembrou que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, de 1994, foi um tratado com força jurídica vinculante para erradicar a violência contra as mulheres, em 1994.
“Nós temos de desmantelar a cultura da violência contra a mulher, porque ela é indissociável da violência contra a mulher. E a partir dela é que nós vemos ainda relações assimétricas de poder, relações historicamente desiguais entre homens e mulheres. Então, para combater a violência contra a mulher, temos de combater a cultura da violência contra a mulher.”
A Desembargadora Federal aposentada do TRF1 Neuza Maria Alves da Silva presidiu a mesa da conferência inaugural; que teve como debatedora a Coordenadora da Comissão Ajufe Mulheres, Juíza Federal Tani Wurster.
No segundo dia, a Juíza Federal Renata Andrade Lotufo fez palestra sobre “O Crime de Importunação Sexual”. A magistrada falou sobre conquistas femininas históricas e, ao se referir especificamente à importunação sexual, explicou que “a necessidade de se criminalizar aquilo que até então era visto como natural ou normal” entrou na ordem do dia após o surgimento de movimentos espontâneos na década de 2010 e a repercussão social de dois casos rumorosos de violência sexual, sendo um em ônibus e o outro em avião.
A mesa dessa palestra foi presidida pela defensora pública e coordenadora do NUDEM (Núcleo de Defesa e Promoção dos Direitos das Mulheres), Nálida Monte, tendo como interlocutoras as advogadas Dandara Pinho, que preside a Comissão de Igualdade Racial da OAB-BA; e Mayra Cotta, professora da New School de Nova York.
A Juíza Federal em Auxílio à Presidência, Raecler Bandresca, palestrou no terceiro dia sobre “Desafios no Julgamento do Crime de Importunação Sexual”, em mesa presidida pela Juíza de Direito Fernanda Menna, escritora da coluna Sororidade em Pauta, na Carta Capital. As interlocutoras foram a Defensora Pública e Coordenadora do Núcleo de Defesa da Diversidade e Igualdade Racial, Isadora Brandão, e a Juíza Federal Louise Filgueiras.
“Já passamos da fase da tipificação penal, mas não pode ser mais um crime na nossa prateleira. Primeiro é preciso consolidar a ideia de que importunação sexual é crime. Dizer isso reiteradamente. Outro dado importante é que mudança cultural se faz com conhecimento, informação, propaganda, treinamento. É fundamental que as empresas de transportes sejam cobradas a fazer treinamentos específicos para motoristas de ônibus, fiscais, funcionários de metrô e de trem.”
Na última das quatro palestras, Amanda Kamanchek explanou sobre “onde estamos e para onde vamos”, explicando o trabalho da ONG feminista Think Olga, as conquistas recentes e os desafios futuros. “Se a gente fala que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada, significa que essa violência [contra a mulher] ainda é muito aceita.”
Essa palestra contou com a participação da Juíza Federal e integrante do Grupo Interinstitucional de Gênero do Paraná, Sayonara Mattos, como presidente da mesa, e da pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP) e transfeminista Victoria Dandara e da Juíza Federal e integrante da Comissão Ajufe Mulheres, Natália Luchini.
Às 21h30 do dia 25 de setembro, um show de Larissa Luz, com participação de Elza Soares por vídeo gravado, encerrou a semana. Horas antes, o filme Chega de Fiu-Fiu foi objeto de debate sendo debatedoras a Desembargadora Federal Therezinha Cazerta; a diretora do filme, Amanda Kamanchek; a Promotora do Ministério Público do Estado de São Paulo Silvia Chakian; e a Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-SP, Cláudia Luna. A discussão foi mediada por Flávia Oliveira.